PROJETOS: PRIDE E MARIELLE
Ensaios fotográficos gratuitos para negros e casais LGBTs.
por Eric Borges
Foto do projeto Pride feita no Parque do Sabiá em Uberlândia.
Foto do projeto Marielle feita no Parque do Sabiá em Uberlândia.
Luis Felipe Kelm é fotógrafo há oito anos e em maio de 2018, quando estava em Florianópolis, percebeu que não havia casais LGBTs em seu portfólio e que esses não o procuravam. Com essa informação, ele fez uma pesquisa e descobriu que casais LGBTs não se sentem seguros ou confortáveis para fazer um ensaio, muito menos quando o fotógrafo é heterossexual, e que, além disso, muitos fotógrafos não aceitam ou não se interessam em fotografar casais LGBTs, com base nisso, Luis Felipe criou o projeto Pride, “Criei o projeto pra abraçar essa galera”, diz.
O projeto Marielle, também criado por Kelm, voltado exclusivamente para o público negro, nasceu em novembro com o intuito de dar oportunidade para pessoas que nunca tiveram condições financeiras para um ensaio fotográfico, mas também para ajudar no empoderamento deles por meio da fotografia.
Luis Felipe considera como a principal importância de ambos os projetos a representatividade dessas minorias e sabe como se ver no semelhante e ter essa referência ajudam na autoestima e na construção do orgulho e empoderamento dessas pessoas.
Quando questiono o motivo dos ensaios fotográficos, tanto do projeto Pride quanto do projeto Marielle, serem gratuitos, Luis Felipe responde: “A maioria dessas minorias ainda se encontram em situação de desigualdade, ganham menos, estão em subempregos, possuem menos oportunidades, por isso, é gratuito para todos, ainda que em alguns (poucos) casos, a pessoa tenha condições para pagar pelo ensaio“.
Uberlândia tem o privilégio de ser a segunda cidade pela qual passa o projeto Pride e de inaugurar o projeto Marielle. O fotógrafo Luis Felipe conta apenas com a ajuda de alguns amigos esporadicamente em alguns ensaios e, mesmo assim, já fotografou mais de 50 casais.
Os projetos atraíram críticas de alguns outros fotógrafos pelo fato de serem gratuitos, sendo questionados que resultariam na desvalorização da profissão do fotógrafo, mas Luis responde muito bem a esse tipo de comentário, quando eu o perguntei se ele concordava com essa desvalorização ele responde “Projetos fotográficos quase sempre são gratuitos. Não enxergo como desvalorização da profissão, muito pelo contrário. Fotografia não é só uma ferramenta para ganhar dinheiro, ela também pode ser política e ter um papel social. Uma coisa que eu sempre digo é que fotógrafos adoram fotografar/retratar pessoas pobres e ganhar prêmio com isso, mas ninguém quer fotografar para pobre. No caso dos projetos, ter um lugar de referência, faz com que outras pessoas se sintam encorajadas para também fazer fotos e contratar um fotógrafo. Acredito que projetos fotográficos, em sua maioria, sempre mais ajudam do que atrapalham”.
O maior objetivo dos projetos para Kelm é viajar pelo Brasil e atingir um maior número de pessoas, mas admite que seu maior empecilho para que isso aconteça é a falta de verba, mesmo nunca tendo procurado nenhum tipo de apoio cultural “Nunca tentei e ainda não pensei nisso, mas todo apoio é bem vindo. “
Murilo Vital, que participou do projeto Pride, destaca no projeto a representatividade e o fato de saber que alguém está se disponibilizando a fotografar casais LGBTs. Dandara Tonantzim, que participou do projeto Marielle, afirma que o projeto pode significar uma grande potência, pois acha que trabalhar a imagem de pessoas negras inverte a ordem do jogo, já que essas pessoas são cotidianamente ensinadas a não se acharem bonitas e não amarem suas respectivas aparências, dessa forma o projeto proporciona uma reflexão interna das pessoas enquanto indivíduos, mas também externa delas com o mundo e de como o mundo as enxergas.
Murilo acredita que os projetos não possuem algum papel relacionado com a autoestima das pessoas fotografadas, que é só uma questão de representatividade, “As pessoas veem aquilo, se sentem representadas e querem representar outras pessoas também”, diz ele. Já para Dandara o projeto que participou interfere muito na autoestima e afirma que “nós negros e negras não somos ensinados a nos amar, a achar pontos positivos na nossa estética, pelo contrário, tudo em nós é o tempo todo questionado por essa cultura hegemônica e extremamente eurocêntrica que prega um padrão que não é o nosso, que é branco, que é hétero, que é extremamente machista, que exclui os nossos corpos e tenta a todo momento colonizar os nossos gostos. Então, quando a gente tem a capacidade de se ver, se achar bonito e se gostar, interfere diretamente na nossa autoestima”.
Questiono se eles se sentiriam à vontade em um ensaio fotográfico feito por um fotógrafo desconhecido. Vital diz que daria uma verificada nos trabalhos do fotógrafo e talvez pesquisaria com pessoas que já fizeram trabalhos com ele, mas que de maneira geral não teria problema. Tonantzim diz que primeiro gostaria de saber se o fotógrafo possui alguma afinidade com o que ela pensa e que de imediato se sentiu à vontade com o Luis por ele ter uma causa social que movimenta esse desejo dele de propiciar coisas legais para as pessoas.
Ambos afirmam que se sentiram mais à vontade pelo motivo do ensaio ser voltado apenas para pessoas LGBTs ou negras, que sabiam que era alguém de confiança já que ele está trabalhando pelo fortalecimento e empoderamento dos LGBTs, negros e negras.
Murilo Vital e Dandara Tonantzim amaram o resultado!
Para participar de algum dos projetos, além de fazer parte do público-alvo você têm que ter mais de 18 anos de idade. Se você se encaixa nesse perfil e possui interesse, é só entrar em contato através das redes sociais dos projetos:
Instagram:
Projeto Pride: @projetopride
Projeto Marielle:@projetomarielle
LGBTs no Brasil
De acordo com o blog Catraca Livre, a cada 19 horas, uma pessoa LGBT morre no Brasil, somos o país que mais mata LGBTs do mundo. Um relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB), entidade que levanta dados sobre assassinatos da população LGBT no Brasil há 38 anos, registrou 445 homicídios desse tipo em 2017. O número aumentou 30% em relação ao ano anterior, que teve 343 casos.
Segundo o levantamento, 2017 foi o ano com o maior número de assassinatos desde quando a pesquisa passou a ser feita pelo movimento. De 130 homicídios em 2000, saltou para 260 em 2010 e para 445 no ano passado. Houve ainda um aumento significativo de 6% nos óbitos de pessoas trans no último estudo, de acordo com o grupo.
“Tais números alarmantes são apenas a ponta de um iceberg de violência e sangue, pois, não havendo estatísticas governamentais sobre crimes de ódio, esses dados são sempre subnotificados já que nosso banco se baseia em notícias publicadas na mídia, internet e informações pessoais”, diz o antropólogo e fundador do GGB, Luiz Mott, responsável pelo site “Quem a homofobia matou hoje”.
Conforme o Observatório Blog a rejeição da sociedade por conta da orientação sexual pode ser um dos fatores para desencadear depressão nos gays, resultando muitas vezes em episódios de suicídio é o que revelou a pesquisa feita pela University College Cork, na Irlanda e publicada no Journal of the American Medical Association.
De acordo com os dados coletados, cerca de 40% dos homossexuais adolescentes entrevistados afirmaram que já pensaram, planejaram e até tentaram dar fim à própria vida por conta da sua sexualidade. Número que cai para 15% para aqueles que se identificam como heterossexuais.
O estudo ainda revelou que o desejo suicida é maior em mulheres lésbicas. Já nos bissexuais a mesma situação apresenta em 30% dos participantes, desta parcela 46% afirmaram ter pensamentos suicidas nos últimos 12 meses. O relatório ouviu 15.624 adolescentes LGBT.
Apesar de muito se falar sobre os direitos dos LGBTs, nunca nenhum projeto de lei sobre essa questão foi votado no Congresso. Todos os direitos conquistados pela população LGBT vieram através de decisões do Judiciário. Geralmente o processo é assim: alguém entra na justiça solicitando que seus desejos (casar, adotar, etc) sejam respeitados, algum juiz ou juíza acata o pedido e dessa decisão cria-se uma jurisprudência que dá o direito de outras pessoas usufruírem desses direitos.
"O problema é que decisões da Justiça não têm força de lei. Além disso, a jurisprudência pode mudar", explica Maria Berenice Dias, presidente da Comissão Especial da Diversidade Sexual e Gênero do Conselho Federal da OAB.
Negros no Brasil
O site G1 noticiou no dia 18 de novembro de 2017, que um levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra como a população negra está mais exposta à violência no Brasil. Os negros representam 54% da população, mas são 71% das vítimas de homicídio.
O levantamento mostrou que o abismo entre brancos e negros aumentou na última década. Entre os mortos nos homicídios registrados de 2005 a 2015, o número de brancos caiu 12%. E o de negros, aumentou 18%.
Nós temos um legado histórico que nunca foi enfrentado”, diz Samira Bueno, coordenadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “São mais de três séculos de escravidão e nós nunca direcionamos, de forma efetiva e consistentes, políticas públicas para tirar essa população negra, que foi escravizada por tanto tempo, dessa situação de vulnerabilidade.
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos, entre 2012 e 2016, a proporção de suicídios entre a população negra aumentou em 55,4%, em comparação às demais raças/cores de pele, registrado em 39,0. A cada 10 suicídios envolvendo adolescentes e jovens seis ocorreram em negros. No sexo feminino, o risco de suicídio nas adolescentes e jovens negras foi até 36% maior do que nas brancas. Entre os homens, o perigo é ainda maior de até 50% maior do que nos brancos.
Conforme o blog Agência Brasil, negros ainda lutam por direitos básicos, embora a Constituição de 88 tenha impulsionado a edição de importantes políticas raciais, o marco de três décadas da promulgação da Carta também é lembrado de forma crítica pelas ativistas. “Em 30 anos da Constituição, intitulada cidadã, nós vivenciamos uma situação-limite. Quando você olha para os espaços de poder, a possibilidade de equidade no trabalho, entre outros aspectos, definitivamente nós precisamos marcar que a população negra continua na margem”, afirma Vilma Reis, Ouvidora Geral da Defensoria Pública do Estado da Bahia.
Para Benedita da Silva, os 30 anos da Constituição estão sendo marcados por um “profundo retrocesso” nas políticas sociais. Como exemplo, a deputada lembra a baixa representatividade no Parlamento, onde ela figura com outras duas deputadas como únicas mulheres negras entre 513 parlamentares.
Benefícios de um ensaio fotográfico
Matéria feita pelo blog da fotógrafa Stella Mendes:
Seguindo a definição temos que a fotografia é: Arte ou o processo de reproduzir imagens. Aos que pensam a grosso modo a foto nada mais é do que um processo concluído, já para quem vê seus benefícios a foto é uma arte. Falando de arte, falamos de estética, logo, ensaio fotográfico.
Um ensaio fotográfico é capaz de retratar um corpo como ele realmente é, com toda sua riqueza de detalhes “estéticos”. Quem confirma essa linha de raciocínio é quem procura entender a extensão do que um retrato é capaz de dizer, e claro, quem também já passou por essa experiência de viver um ensaio.
Vanessa Wendhausen Lima, graduada em Letras e Jornalismo, e com mestrado e doutorado em Ciências da Linguagem, apresenta uma relação quanto ao mundo que vivemos e o ensaio fotográfico como forma de reflexão quanto a tudo que acontece diariamente, vivemos em um mundo imagético, de posts e recortes situados da vida que privilegiam a luz, a cor, o lugar, o momento e, jamais, devem evidenciar o normal cotidiano. Nós, somos levados a crer que apenas a perfeição pode ser mostrada e só ela é merecedora de curtidas. Caso contrário, é melhor deixar para lá. Abrir-se à produção de um ensaio fotográfico, sem preocupações ou medos, pode elevar uma autoestima que vem sendo criticada, cobrada e monitorada o tempo todo. Ensaios deste tipo podem mostrar que devemos nos permitir mais e nos cobrar menos. ”
Para comprovar o “poder” de um ensaio, que mostra a pessoa como ela realmente é, segue a opinião da psicóloga Laís Steiner, que trata diariamente de pacientes que não se aceitam como são, a fotografia consegue, dentre todos os traços e mistérios, transparecer quem você realmente é e o quão belo e espontâneo podes ser, simplesmente por ser você mesmo. A fotografia permite que você se enxergue, que você faça papéis, que você atue, mas, principalmente que você se divirta, brincando com seus diversos papéis diários, mas mantendo a essência que é seu conteúdo único. Fotografia abre a portinha da gaiola para que a vergonha fique de lado e apareça ela, a autonomia, a individualidade, a beleza única e singular, resgatando a tão importante, autoestima.